Jorge Amado não discute o tema na sua célebre obra, que aborda a morte de pescadores, mas, certamente, se estivesse vivo, utilizaria o seu talento para despertar a consciência coletiva dos cidadãos.
Tudo bem, o erro não é somente dos seres humanos que vão curtir o sol debaixo do frescor das águas e largam latinhas de cerveja, garrafas plásticas e outros objetos na beira do mar; ou dos que, na tradicional Festa de Iemanjá, lançam perfumes e sabonetes – ao lado de flores e outros exemplares orgânicos -, certos de que isso irá agradar a bela Rainha; ou, ainda, dos que fazem a típica queima de fogos no Réveillon, jogando milhares de destroços nos oceanos.
O problema é muito maior que isso, mas não isenta a culpa das “pessoas de bem” que cometem "deslizes" como esses e não entendem a dimensão de uma pequena atitude. Falta consciência e punição. Já imaginou se a prefeitura resolvesse fiscalizar cada embalagem atirada pela janela dos veículos, por exemplo, e multasse o(a) infrator(a), após advertência e encaminhamento para atividades socioeducativas? Com base na iniciativa do Rio de Janeiro, com o Programa Lixo Zero, um projeto similar foi aprovado na Câmara pelos vereadores soteropolitanos, mas ainda aguarda análise do Executivo...
No lançamento de esgotos com quase nenhum tratamento prévio, o caos atinge grande dimensão. Hoje eles são cartões-postais, não apenas das grandes, mas das médias e pequenas cidades. Peixes, tartarugas e aves mortos são alguns “frutos” que “enfeitam” a paisagem, em meio a esse costume cruel e vicioso.
A Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) diz que "todo o esgoto captado é jogado em distância e profundidade segura, sem oferecer riscos ao meio ambiente, e pior, que “o processo de tratamento não gera nenhum impacto ambiental capaz de causar incômodos à vizinhança e que o efluente final não representa risco de degradação ambiental das praias e ecossistemas marinhos.” A teoria é perfeita, não fosse a prática totalmente contraditória...
No Projeto Tamar, localizado na Praia do Forte, sacos plásticos voam no ritmo das ondas; não é diferente em Guarajuba, Siribinha e diversas praias da Linha Verde. E, na sede da capital, a situação se agrava...
Enquanto países como o Japão e a Inglaterra conseguiram recuperar rios considerados poluídos, tornando-os límpidos, cristalinos e atrativos turísticos, Salvador convive com esgotos a céu aberto pelos lugares mais bem visitados. Os da Orla e Iguatemi são os que mais incomodam, por fazerem parte da minha rotina. Imaginar que aquela água escura e mal cheirosa já foi um lindo rio é de cortar o coração.
O pior é saber que tudo que vai, volta, o que podemos observar de modo bem simples: Em dias de chuva, o lixo descartado pela janela do carro ou do coletivo, entope os bueiros e inunda as avenidas, e, mais uma vez, deságua no mar; já os pescadores, fisgam peixes contaminados, que, consequentemente, chegam às nossas casas, e o que dizer dos surfistas e banhistas que insistem em “navegar” naquelas águas escuras, sujeitos a diversas doenças?
Consumimos o que merecemos? Temos a cidade que merecemos? Sinceramente, não sei. Mas sei que tudo isso me irrita bastante e me faz querer estar bem longe daqui. A falta de respeito com a natureza e o próximo é só a ponta do iceberg neste centro desordenado e sufocante.
O que faço para mudar? Apenas ações pontuais, como “jogar lixo no lixo” - tentando dar exemplo com atitude - e auxiliar na divulgação de projetos socioeducativos voltados para discussões nesse foco. Por outro lado, uma certeza existe: a necessidade de uma mudança radical contra a autodestruição.
Se queremos prolongar a vida, que tal começar da lama? “Da lama ao caos, do caos à ordem...”, parodiando Chico Science & Nação Zumbi.