Durante os festejos, são comuns visitas às casas de cumpadres e cumadres. Embalados pelos cânticos de Reis, devotos recitam versos em homenagem ao nascimento de Cristo e louvam aos Santos Reis através de ritmos agitados. Marchas e batuques reúnem homens e mulheres, crianças e idosos, que aproveitam para arrecadar doações a serem oferecidas no dia 6 de janeiro, data historicamente relacionada à visita dos reis magos ao menino Jesus:
Que viemos de Belém
Alegres viemos reunidas
Visitar o Deus Menino,
Nascido para o nosso bem
O senhor e sua família
Venham ouvir meu festejar
Com um litro de licor
E docinho de araçá
Bonitos Reis vimos cantar,
Que a dona da casa mandou nos chamar
Mandou nos chamar, pois tinha o que dar
Queijos e passas, docinhos de araçá
A ornamentação do evento também reforça as raízes: cachos de banana enfeitam as mesas e o palco, enquanto cestas de palha servem de recipiente para beijus, grãos, pães e outras especiarias da casa. Do lavrador à cozinheira, do cidadão comum aos representantes do povo, Coqueiro clama pela preservação da cultura quilombola.
A devoção é confirmada pela frase “O segredo do nosso sucesso é Jesus”, estampada na blusa dos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização do evento. A vestimenta ainda afirma “Realização de todos no esforço de cada um”, sob mãos em preto e branco que se cumprimentam de modo cordial.
(Frase recitada por Minita, poetisa de Jacobina/BA)
A cada apresentação, os nativos deste cantinho do Piemonte da Chapada Diamantina surpreendem visitantes da cidade tão acostumados ao corre-corre individualista. Um caruru ainda agrupa crianças e adultos: aqueles, em volta da toalha branca, repleta de comes e bebes e enfeitada com flores de mesma cor; estes, cantando, acompanhados de batuques e notas, que fluem do pandeiro, triângulo e instrumentos de corda.
Quem já esteve em Coqueiro identifica que a comunidade apresenta características próprias, ainda pouco divulgadas para o grande público. Negros que trabalham pela sustentabilidade de modo coletivo e harmonioso, observação comprovada durante o almoço distribuído, gratuitamente, para mais de 800 pessoas.
Durante o evento, o clima quente não atrapalha, dando mais energia aos artistas, que, tão prontamente, estiveram auxiliando com suas apresentações, dentre eles, o Grupo Renovação de Coqueiro, formado por crianças e adolescentes da própria comunidade; o Atabaque, do bairro da Bananeira, município de Jacobina; a Associação Quilombola dos Produtores de Mandioca de Bom Jardim e Monteiro, integrantes do município de Caém, que representaram a resistência do negro frente à escravidão, através de manifestações culturais, como a capoeira, e o Grupo de Reisado da Associação Comunitária dos Pequenos Produtores de Palmeiras e Adjacências.
O destaque em comum foram as roupas coloridas, que voltavam olhares curiosos por aprender, ao menos, alguns passos do samba. Cada um improvisava à sua maneira, demonstrando que os quadris são flexíveis por baixo do pano: saias rodadas ou calças jeans, cabelos trançados com adereços coloridos, roupas quadriculadas e estampadas... Sozinhos ou em pares, os artistas natos pareciam não perder o jogo de cintura, mesmo com o avançar das horas.
Comunidade Quilombola desde 2004, Coqueiro é um dos mais belos redutos culturais e ambientais da região. O reconhecimento teve a importante contribuição do Pe. Joel e de comunidades já reconhecidas, como Tijuaçu, integrante do município de Senhor do Bonfim. O povoado é forte em agricultura, sobressaindo-se a banana e o babaçu. Produzidos na localidade, os produtos abastecem o centro econômico de Jacobina, chegando às mesas de milhares de famílias. Famosa pelos sambas, carurus e apresentações de raízes afrodescendentes, Coqueiro encanta pela sede do saber. Tudo começou com a realização de mutirões para construção de casas. Ao final de cada obra, os moradores da comunidade sambavam em agradecimento. Daí, surgiram as rimas, que, até hoje, são cantadas, passando de geração para geração.
Caminho estratégico rumo às ruínas da Igreja de Pedras conhecida por Figuras, a localidade é parte integrante de um passado áureo das missões e exploração do ouro. Devotos e adeptos da história visitam esporadicamente o local onde ainda se encontra a Igreja, a fim de registrar o passado-presente e unir esforços em prol da reconstrução desse reduto. Atualmente, moradores de Coqueiro lembram histórias de casamentos e celebrações feitas na Igreja em sua plena arquitetura, além de imagens guardadas na memória ou em cantos das casas dos que, um dia, participaram ativamente dessa realidade.
A festa de São Miguel das Figuras, comemorada no dia 29 de setembro, é um exemplo de fé e iniciativa. São horas de caminhada, a depender do caminho escolhido: Caém, Mirangaba, Saúde ou Jacobina, quatro cantos e ângulos especiais. O objetivo é assistir à celebração, bem como somar homenagens ao santo, momentos em que amigos e familiares se reencontram e trocam experiências.
No caso da Festa de Reis, a peculiaridade dos cânticos e ritmos se destaca no calendário regional. Socialização seria a palavra que resume tais eventos. Registrar a Festa de Reis foi uma oportunidade de divulgar as potencialidades do local, cantinho do Brasil praticamente desconhecido pela maioria dos seus, porém tão importante quanto à sua origem e ideologia em busca de alternativas de sobrevivência. Vale a pena viajar pelos quilombos rurais, desbravando raízes escondidas, mas inerentes à formação do povo brasileiro.
Até outra vez
Que muito em breve
Cantaremos outros reis
Já não tarda o despontar da aurora
Acabemos a folga
Vamos todos embora